24/01/2011

A nobre arte

E como estivéssemos distraídos, a sexta-feira chegou. Não qualquer sexta-feira, mas “A”
sexta-feira. A inaugural. A fundadora. A primeva. O dia mais aguardado da semana invadiu
o período de férias estivais e coloriu o Valdeci com a presença massiva de todos. Inda dia os convivas foram chegando e, de tanto se comentar, ficando famoso o nosso lugar, outros mais foram ali adensar. Cheguei com sol e a mesa já estava “posta” com um representante da Diretoria, o Pablo, e os amigos Cadu, Patrícia, Arthur, Raquel, Bebel, João e Graci.

Próximos, mas em outro povoamento, estavam o JB, o Doca com a namorada e alguns amigos. Lá no fundo, para minha surpresa o Reisson retornava e, para variar, com o Pegoraro. Quando, em meu campo de visão irrompe o Emerson e, logo após, o Cabeça. Daqui a pouco, chega o Marcelo e no instante em que me volto para a churrasqueira e suas baforadas sublimando o balé do atendimento do Valdeco e do Juca e do Aílton e do Chaguinha, sim, o famoso Chaguinha, surpreendo bebendo sozinho o Caíque, nosso sábio de tantos e tantos adágios.

Estávamos de volta, a Diretoria espraiada e reunida, com outros vários mais presentes. A Madame Mimi, a Miriam, o Adelson, a Elisângela, a Marilete, o Acácio, e colegas de banco e de copo. E os proverbiais mendigos, vagabundos, prostitutas, pedintes, errantes. Tudo magicamente voltava a ser como antes. E sem nenhuma programação. E, entretanto, semelhando um chamado, cada um foi chegando, cada qual do seu canto, do seu lado, completando o nosso chão. Apenas o Louriva faltando. “Oh, semana que vem vou trazer um ‘negócinho’ aí para a gente comer”. O aviso do Adelson trouxe a confirmação: as férias acabaram. Mais um ano começa e a Diretoria cumpre com galhardia sua tarefa. De coração.

E o reencontro lembrou-me o poeta, o poetinha, Vinícius. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro por aí”, dizia ele. Então, artistas que somos, no Valdeco nos pomos. Cada um com a sua história, com o seu apego, com o seu desapego, com a sua memória. Lembramos de músicas e d’outras tantas coisas nos esquecemos. Pelo menos, momentaneamente. Voamos, de repente. E esta aventura vivemos.

A noite chega e alguns amigos se vão. Mas, a Diretoria, a Diretoria, não. E nisso, nos colocamos a uma mesa; e o Doca traz o violão, aquele mesmo de outra ocasião, e o Marcelo se põe a tocar e o Cabeça a cantar e um e outro e, num átimo, quase todos, que as conversas laterais também são de bar. Desfilam conosco Smiths, Legião, Uns & Outros, Engenheiros, Paralamas, Red Hot, Cure, Plebe, Capital, etc. E as latinhas em um cardume cada vez maior. Cruzávamos o mar da semana rumo ao oceano de dois dias. E o nosso comandante, por um tempo, foi um mendigo-pedinte-fumante que, inspirado e delirante, postou-se no chão, entre o Cabeça e a Patrícia, e a plenos pulmões cantava com devoção.

Esse o espírito da reunião. Uma cunha nos músculos do cotidiano. Uma maneira de acalentar o “mundo mundano”. E como deuses nos portamos, ou seja, indiferentes e humanos. E por mais uma dessas vezes nos emocionamos. Pois, se pensarmos bem, o acaso dessa nossa convivência é da vida a beleza em excelência. E, se daqui a algum tempo tudo isso for passado, nenhum de nós poderá ser condenado. Não, por viver. E inocentemente, que sempre algo nos escapa, senão a maior parte. Assim, fazemos dessa nossa lida uma arte. A nobre arte do convívio. O Valdeci é a pequenina ilha de nosso exílio. “Napoleônicos?” Loucos? Sardônicos? Talvez, apenas atônitos. Atônitos com o tanto de absurdo. Assim, seguimos o curso.

*Esse texto trata-se de uma transcrição fiel e detalhada de fatos e eventos verídicos. Portanto, qualquer mínima ou mesmo quase imperceptível semelhança com a realidade deve ser considerada uma incrível e indissociável coincidência. Uma das facetas da verdade.

PH.

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