27/09/2018


- Uma definição 

amor é uma luz à noite atravessando o nevoeiro

amor é uma tampinha de cerveja pisada no caminho do banheiro

amor é a chave perdida da sua porta quando você está bêbado

amor é o que acontece uma vez a cada dez anos

amor é um gato esmagado

amor é o velho jornaleiro na esquina que desistiu

amor é o que você acha que a outra pessoa destruiu

amor é o que desapareceu junto com a era dos navios encouraçados

amor é o telefone tocando, a mesma voz ou uma outra voz mas nunca a voz correta

amor é traição 
amor é o incêndio dos sem-teto num beco

amor é aço
amor é a barata
amor é uma caixa de correio

amor é a chuva sobre o telhado de um velho hotel em Los Angeles

amor é o seu pai num caixão (aquele que te odiava)

amor é um cavalo com a pernaquebrada tentando se levantar enquanto 45.000 pessoas observam

amor é o jeito que nós fervemos como a lagosta

amor é tudo que nós dissemos que não era

amor é a pulga que você não consegue encontrar

e o amor é um mosquito

amor são 50 lançadores de granada

amor é um pinico vazio

amor é uma rebelião em San Quentin
amor é um hospício
amor é um burro parado numa rua de moscas

amor é um banco de bar vazio

amor é um filme do Hindenburg se retorcendo um momento que ainda grita

amor é Dostoiévski na roleta

amor é o que se arrasta pelo chão

amor é a sua mulher dançando colada com um estranho

amor é uma senhora roubando um pedaço de pão

e o amor é uma palavra usada muitas vezes e muitas vezes
cedo demais.

BUKOWSKI, Charles. Amor é tudo que nós dissemos que não era.

24/09/2018





Uma certa marquise na highway ou 
uma certa highway na marquise

 

(à lembrança de Emerson, de Jansen, de Marcelo, de Rubão, de JB e de Louriva)
 

Defronte o horizonte incrédulo, lá onde o céu toca o semblante do viajante tímido, levanta-se a construção do monumento óbvio (e escondido nítido), o momento único, no qual o que avulta é a canção, o repúdio, uma desbragada dose de vida, a emoção incontida e em versos entoada, protegida pela longa estrada à espera dos passos dos homens que a percorrem e que se socorrem e que se dizem a todos: “Não corra! Não morra!”, enquanto eles próprios sobrevivem às chuvas de facas de afiados gumes, e nem tão sóbrios, esses homens-lumes, por vezes sórdidos, envolvidos em sorrisos como se fossem sólidos os avisos e concretas as palavras e feita de levezas a paisagem e construídas com certezas as verdades por onde eles andam, seus países, e são suas idades, as dos homens felizes, e com suas agendas, lindos como quem aguenta, garbosos como quem tenta, e sem garantia alguma que não seja apenas a da possibilidade sob a sombra da bondade na infinita estrada que em todos se abre (ou os funda), fazendo da mais bonita liberdade súdita da solidão profunda da imemorial saudade que os inspira como se fosse lógica toda mágica e pródiga toda fadiga, o que aos homens fustiga em brasa íntima, sendo eles dessa imperiosa vontade vítimas às quais a estrada se deita e se oferece, e ela mesma os espreita ao que acontece, feiticeira, tapete que se tece, disposta a tudo o que se queira, ondulando ao sol, silenciando à noite, sibilando em todos os sentidos, sinuosa serpente, o que faz despertar esses homens, os homens comovidos pela febre nossa, da nossa gente, e que mesmo em meio à orfandade deserta são reis por estranhos e estrangeiros desafiarem os meandros do reino inteiro cantando em coro a canção que se agiganta em sopro do coração.

24/09/18
PH