05/12/2011

Diário de Borda – Um conto de Natal


Então, por esses dias, por dever e vontade retornei à Marquise. Voltei a Stonehenge tal
um devoto que retoma periodicamente sua santa peregrinação. Caminhei léguas e léguas
dentro do avião, passei privações, ultrapassei obstáculos, cruzei desertos, desafiei exércitos,
defendi-me em guerras, dormi em vigília, esclareci enigmas, alimentei-me espartanamente
com míseras barras de cereal, cumpri os 10 Trabalhos, enfim, purifiquei o espírito para
estar pronto ao reerguer n’olhar o imaculado lugar. Lá chegando, após festejos e abraços e
saudações efusivas dos outros monges ascetas, busquei o Santo Graal e com ele entornei o
líquido sacro. E, confesso comovido, a sua ingestão dotou-me novamente da sensação única
da experiência máxima do pináculo extremo de algo que acabo de esquecer... Buenas, o que
importa é que foi bom e recompensador. Disso, guardo certeza. Recordar é viver.

E, digo-vos. Retornar à Marquise, retomar a sua imponência e a sua explicação do
mecanismo universal, receber as suas místicas emanações, estudar a sua estupenda e
misteriosa arquitetura, perceber a exatidão de sua localização geocêntrica, tudo redundou
no resgate de uma vida. A minha vida. Ela dotada de existência e sabedoria. Sim, a
Marquise nos ilumina e doa a energia mater que o Sacerdote Valdeci bondosamente colhe
nas florestas da sapiência do Setor de Abastecimento e nos vende a um preço exorbitante.
E louvamos todos nós no rito concêntrico e exegético da noite em galhardia. Aleluia!
Bebemos a beatificação e fortalecemo-nos para a gloriosa recepção do dia. Aleluia! Nada
nos deterá. Nada nos curvará. Nada nos vencerá. Nem mesmo o que mais forte e impiedoso
nos ataca, a temível ressaca! Aleluia!

Sim, sim. E isso por que a troca energética é tamanha e são muitas e várias e múltiplas e
multitudinárias as emoções. Mas, retrocedendo um pouco, confesso-vos que ao adentrar
novamente a rodinha de amigos senti um prazer tanto anímico quanto físico. De um jorro,
fiz-me presente. Em metáfora, mesmo, ou não, como diria Caê, desagüei ali. E estive em
casa. Adentrei o círculo e vi a felicidade estampada no rosto de cada um. Eles, os meus
amigos, gostaram de mim ali, dentro de seus espaços. E, claro, foi gratificante. Diria-vos
mais, valeu cada palmo da distância. Um homem cumpre o seu destino e eu, humilde servo,
assim procedi. Apontei minha bússola para a Marquise e zarpei em caronas de corsários,
e rumei em trabalhos de piratas, e prossegui em sociedades de bucaneiros, e rompi marés
perigosas com o intuito maior de ofertar meu magma aos irmãos anacoretas. E assim foi
feito.

Mas o propósito destas mal destacadas linhas é o que explicito no título. Estamos entrando
na época das festas de final de ano. Época de balaços e de balanços, nessa ordem. Época de
troca de presentes. Época de renovação de esperanças. Época de soerguimento da crença
na possibilidade humana. Época de se entupir – mais – de contas. Mas, sobretudo, época de
percebermos com precisão a época em que vivemos. Época de reconhecermos e saudarmos
os amigos. Época de buscá-los e de reuni-los. Época de sermos felizes e nos esforçarmos na
extensão dessa época para a outra que se inaugura. Época de tornarmos a vida mais pura.
Feliz Natal a todos! Obrigado, meus amigos. Ho-ho-ho.

PH – 01/12/11