Você provavelmente já teve que lidar com pessoas que, ao invés de aproveitar aquela Original trincando de gelada acompanhada dos famosos acepipes, resolveu dar uma palestra sobre harmonização. E não é só isso, o beerchato é tão chato que não consegue respeitar o lugar sagrado chamado boteco.
 
A publicitária Rachel Juraski, que sempre foi adepta de um bom boteco, faz um desabafo sobre como a “gourmetização” das cervejas acabou criando uma legião de beerchatos. “A turma dos cervejeiros, que sempre tirou uma onda da galera que curte vinho pela paunocuzice desses últimos, acabou se tornando uma laia exatamente igual. Quando dois cervejeiros se encontram, é o fim. Eles monopolizam a conversa e ficam naquela disputinha chata de quem tomou a cerveja mais foda, no lugar mais foda e afins. Ou quem tomou a cerveja mais desconhecida, produzida em microlotes, por monges caolhos canhotos do alto do Monte Roraima. Poupem-me.”.
 
E olha que Raquel tem razão. Quem decide se aventurar no mundo das cervejas vai encontrar e se deslumbrar com uma bela oferta de rótulos. Para se ter ideia, em 2011, foram produzidos cerca de 13,3 bilhões de litros de cerveja no país (de acordo com o Sicobe, sistema de medição da Receita Federal). Dados da Associação Brasileira de Bebidas (Abrade)mostram que apesar de apenas 0,15% serem feitos por microcervejarias, a expectativa é que o mercado de cervejas artesanais brasileira cresça cerca de 2% em 10 anos. Pode parecer pouco, mas as prateleiras dos hipermercados e empórios estão cada vez mais repletas de excelentes rótulos nacionais.
Mas antes de sair por aí esnobando a cerveja alheia, saiba que o bom entendedor de cervejas nunca despreza cerveja alguma. E se você quiser entrar de cabeça neste mundo, invista em cursos, de preferência os que te gabaritem de verdade. O do SENAC/SP por exemplo, além de custar uma boa grana, é credenciado pelo instituto alemão Doemens.
 
Lá eles ensinam você a degustar, encontrar defeitos e, principalmente, aprender regras básicas como “cerveja é uma bebida agregadora” e “nenhuma cerveja é ruim”.
Pensando nisso, pedimos aos nossos editores Marcelo Costa e Leonardo Dias Pereira (ambos sommeliers formados pelo SENAC) para identificar 10 sintomas de beerchatos, e como evitá-los.
 
1) Toda cerveja é boa, até as “ruins”.
O primeiro sintoma grave do beerchato é quando ele chega no meio da botecagem com os amigos e começa a desmerecer as cervejas tradicionais brasileiras (Skol, Brahma, Antarctica e outras) dizendo que “boa mesmo é aquela belga que eu tenho na geladeira”. A cerveja é uma bebida agregadora e é preciso, acima de tudo, respeitar o boteco, que é um lugar sagrado.
 
2) Evite a tentação de dar aulas em público
Um beerchato é reconhecido facilmente quando ele começa a falar em “notas cítricas, final seco e retrogosto maltado” para pessoas que não estão nem um pouco interessadas nisso. Há hora, lugares para isso. Não existe nada mais beerchato que querer doutrinar pessoas que só querem beber sua cerveja em paz. Muitas vezes, apenas um “que cerveja foda” resolve tudo.
 
3) Fuja dos termos técnicos
A cerveja é uma bebida de características simples e aquele que começa a falar em notas de aroma, IBU, retrogosto e quetais pode facilmente passar por um beerchato. Se alguém lhe perguntar sobre o que você está sentindo em determinada cerveja (as tais características sensoriais), evite o rebuscamento e seja o mais didático possível. Não queira transformar a cerveja numa bebida com manual de instruções.
 
4) Beba a cerveja que colocarem em seu copo
O carimbo de beerchato pode ser facilmente colocado na testa de uma pessoa que vai a uma festa de um amigo, e recusa a cerveja servida no lugar porque ela é, segundo seus padrões, ruim. Recusar cerveja é um sintoma grave da beerchatice.
 
5) Respeite, acima de tudo, o gosto alheio
Há pessoas que não gostam de cervejas belgas e não entendem como você pode gostar tanto de India Pale Ale sendo ela tão amarga. Não tente impor padrões e respeite o gosto alheio.
 
6) Evite dar sermões para garçons devido a um serviço fora do padrão
Sua Weiss veio em um copo americano? A garçonete falou errado o nome da cerveja que você tanto ama? A cerveja chegou na mesa com uma temperatura muito elevada? Releve. O mercado brasileiro ainda é incipiente, e as casas estão se acostumando com um novo mundo repleto de novidades. Não vá querer ser beerchato de ficar corrigindo o serviço alheio.
 
7) Não fale sobre o que não sabe
“O estilo barley wine tem esse nome porque leva uvas entre os ingredientes”, diz alguém na mesa do bar querendo impressionar. Pare. E estude. Existem centenas de estilos e a história da cerveja é antiga, rica, e continua sendo escrita constantemente. Tem vezes que é muito mais honesto dizer que não sabe responder uma determinada pergunta e que vai pesquisar antes do que simplesmente improvisar uma resposta qualquer.
 
8) Não diminua a qualidade de uma cerveja apenas porque, agora, ela pode ser encontrada em qualquer lugar.
A Duvel não deixa de ser excelente porque está custando R$ 10 no Pão de Açúcar. Tampouco as trapistas como Chimay e Rochefort deixaram de ser deliciosas porque dá para encontrar nas gôndolas das grandes redes. Na verdade, agradeça aos céus (e aos monges também) por ter a oportunidade de se deliciar a qualquer momento com essas cervejas incríveis. Já é um verdadeiro milagre elas chegarem ao Brasil com regularidade e qualidade.
 
9) Evite regras bestas.
“Cerveja caseira é melhor que qualquer outra cerveja” ou “Chopp é melhor que cerveja em garrafa”. Sempre haverá 10 exceções que irão contra sua regra. E nunca se esqueça que toda cerveja tem sua qualidade e ocasião perfeita para ser apreciada, seja lagarteando ao sol com uma american light lager trincando de gelada, ou uma boa strong golden ale num dia frio.
 
10) Não fique procurando na cerveja atributos que ela não tem.
Aqui chegamos na grande armadilha. Está todo mundo na mesa papeando e o fulano não para de enfiar o nariz no copo e delirar com o “delicioso cheiro de damascos colhidos pelas Anãs Caolhas do Himalaia que descem uma vez ao ano para fazer a colheita”. Dá pra ver a palavra BEECHATO piscando na testa do cara como um painel de neon. Não sentiu o cheiro de tabaco cubano naquela Imperial Stout descrita numa resenha daquele site lotado de avaliações de cerveja? Tudo bem. Cada pessoa tem uma percepção diferente de aromas e sabores que vai se desenvolvendo ao longo do tempo.
[TEXTO: Cirilo Dias, Marcelo Costa e Leonardo Dias Pereira]
 
ENCAMINHADO PELO PEDRO WOLFF (Menino Pedro).