24/02/2011

J’accuse!


(em memória de uma injustiça)

Abrupta e irrecorrivelmente fomos retirados do sonho inda despertos. Durante a noite, acordados que estávamos pela alegria reinante em nossa ilha da memorabilia incrustada bem no meio do resto do mundo, interromperam nosso idílio. Acabaram com a fantasia às vésperas dos festejos de Momo. Nós, os inocentes, pois que sempre o somos, acreditamos nos antigos postulantes e hoje donos do poder. Nós, os tais que somente queríamos sorrir e beber. Nós, os “anormais” que apenas desejamos com o cotidiano do mundo romper e ali no Churrasquinho do Valdeci enternecer. Enternecidos e abandonados. E por essa perda eu acuso os donos do poder!

Pois bem. Valdeci, ou Antonio Vieira da Silva, empregador de seis pessoas, entre as quais figuras marcantes como o Chaguinha, o Juca e o Aílton, sem esquecer do Adelson, desde 2000 ocupando um espaço na Praça do cebolão, ontem à noite, dia 23 de fevereiro, foi instado pela AGEFIS, Agência Fiscalizadora do GDF, a encerrar suas atividades. Eu, PH, o JB e o Reisson, os integrantes da Diretoria na hora presentes, testemunhamos o ato de força. Vimos a chegada da viatura, suas luzes berrantes ecoando a época dos militares, os distintivos dos fiscais reverberando o golpe oficial circunscrito aos limites da lei. Da lei, senhoras e senhores. A mesma lei que nos outorga o direito de ir e vir. A mesma lei que diz que todo homem possui o direito à decência da vida. A mesma lei que é nada mais que um contrato social. E os donos do poder são os donos dessa mesma lei? São? Serão? E por isso eu os acuso!

Eu acuso os donos do poder de hoje, pois ontem, e não estou sozinho a recordar, eles estiveram conosco. Sim, estiveram conosco no Churrasquinho. Sim, cumprimentaram-nos. Sim, beberam das mesmas cervejas. Sim, confraternizaram. E, claro, pediram votos. Pediram votos, senhores e senhoras. Ou seja, eles nada mais são do que nossos representantes. Será? Nesta nossa sociedade de tantas lógicas invertidas, onde parecer toma o lugar de ser, a representação democrática cada vez mais se afasta de sua função. Os homens engalanam-se no poder. E crêem ser superiores, inalcançáveis, portadores de uma liturgia que os diferencia. Eles saíram da planície. São semideuses. Mas, ontem, incrível e recentemente, eles freqüentaram o que agora taxam de ilegal. E por isso, eu os acuso!

Eu os acuso pela estridência do seu ato, pela truculência de sua “amnésia”, pela violência do corte em nossa noite. E, mais, pela indecência do desrespeito ao local físico da incidência, pois que a Praça do Cebolão é espaço histórico e referência de lutas populares, de conflagrações democráticas, de reuniões políticas, de multidões em aspirações legítimas. E de alegrias fugazes tais como a celebração carnavalesca. Ali, na Praça do Cebolão, convivem em perfeita harmonia bancários, banqueiros, jornalistas, jornaleiros, esqueitistas, esquerdistas, direitistas, sindicalistas, homens, mulheres, publicitários, “incendiários”, sonhadores, pragmáticos, operários, seguranças, falenas, músicos, estetas, filósofos, poetas, enfim, uma gama de representantes da comovente variedade humana. É disso que nos acusam?

Por essa permanência, por essa premência eu retribuo e acuso os donos do poder! Essa a nossa luta, senhoras e senhores, que o sonho, por vezes, se crava na terra. E quem nisso acredita, não erra. A revolução nunca foi mais tão urgente. E reside uma rara beleza na insurgência, já que toma-se às mãos as estações do tempo. Por isso, por esse advento, os donos do poder eu acuso. E não me arrependo!

PH

24/02/11

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