18/01/2011

Reminiscências do Valdeci ou Nós que nos embriagávamos tanto*

E porque por ali desfilássemos as nossas fugazes insanidades, sabíamos que aquele era um espaço sagrado ao qual devíamos prestar a adequada liturgia. Assim, penitentes, passávamos noite após noite, hora após hora reunidos, crentes no poder miraculoso, pelo menos momentaneamente, da cerveja e da miríade de assuntos que ela enseja soltos ao vento da Praça do Cebolão, o local de residência do Valdeci ou do Churrasquinho do Bigode, as duas alcunhas do estabelecimento. Ali, sob aquela marquise, multidões de revelações, de reconhecimentos, de devaneios, de imprecisões, de vitórias e de receios vivemos. E achamo-nos todos, nalgum momento, em um ponto de convergência. E, claro, com as bebidas. E com urgência.

E dizem que as grandes ideias estão assim, dispersas pelo ar aguardando alguma sensibilidade que as colha. Seria esse o Jardim das Descobertas. Então, nós, da Diretoria, somos os excelsos descobridores, pois que já concluímos que toda conclusão é provisória. E a sua duração se dá em noites e em presenças no Valdeco, onde juntamos as nossas histórias e testemunhamos de nós e de alguns outros os ecos. E a cerveja é tanta, e a sede tamanha, que ali nenhum mal nos arranha, e poderosos bebemos. Por certo que essa beleza em potência é anímica, já que monetariamente nos reconhecemos em coitados, mas nada que a refulgente e redentora revolução não vá sanar! Nada temos a temer, a não ser os nossos grilhões! Embaixo do calçamento está a praia! Liberdade, Igualdade e Fraternidade! Portanto, apenas aguardamos, pacientes, revolucionários, no Valdeci, o momento dela, La Revolución vingar. E, bebemos...

E como todo o ritual que se preze ostenta suas oferendas, de uns tempos para cá, por assim dizer, nos profissionalizamos. Dessa maneira, além dos churrasquinhos servidos, o Adelson passou a trazer alguns quitutes para que provemos. Animais exóticos, seres de outras esferas, habitantes duma floresta longínqua inda não conquistada. Ou gatos e “skatistas” que somem repentinamente das cercanias. As versões são várias. Mas, bem sabemos, essas variantes são próprias das mitologias. E, quando percebemos, em meio às bebidas, comemos. Pacas, tatus, jacarés, galinhas, porcos, mocotós, enguias... Não, não. Desculpem-me. Enguias, não. Pelos menos, eu creio. E, bebemos, que a carne tem que descer...

E mesmo as cervejas se multiplicaram. Já não temos tão somente Skol e Antarctica. Dispomos, já de um tempo, de Heineken, Stela Artois, Cerpa, Therezópolis e Brahma. E, óbvio, elas se espalharam entre os presentes, sendo da Diretoria ou não, já que o Bigode quer é faturar. Bigode ou Valdeco, Valdeco ou Bigode, dois que residem no mesmo um. E onde se pode fiar. Ou seja, ultrapassa o boteco já se tornando um lar!

Essa a nossa teogonia, senhores e senhoras. Esse o local das nossas alegrias e dores, todas enfeitadas pelo passar das horas. Ali nos fazemos nós pela noite que se alonga e que se demora. É o nosso lugar de olhar o mundo e de rir do absurdo. E de aguardar o anúncio da revolução em seu grito retumbante e mudo. Por isso tudo, sonhemos. Continuamos sonhando. E, bebemos.

17/11/01

*Esse texto trata-se de uma transcrição fiel e detalhada de fatos e eventos verídicos. Portanto, qualquer mínima ou mesmo quase imperceptível semelhança com a realidade deve ser considerada uma incrível e indissociável coincidência. Uma das facetas da verdade.

PH.

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